POR QUE FATOS

NÃO MUDAM OPINIÕES

E o que fazer ao invés disso

Você já sentiu que fatos e estatísticas apenas não são o bastante para mudar a opinião de alguém? Isso não acontece porque as pessoas são "inatingíveis" - é só um efeito de como nossos cérebros são configurados! 

A resistência aos fatos não é uma falha individual, mas um traço evolutivo. O raciocínio humano não foi projetado para a busca objetiva da verdade, mas para reforçar nossas crenças e nos ajudar a navegar em sociedades altamente sociais e competitivas. Isso explica por que fatos por si só raramente mudam opiniões e aponta para a necessidade de estratégias mais eficazes de comunicação para superar esses desafios.

O efeito "tiro pela culatra"

Quando pessoas encontram fatos que desafiam suas crenças mais profundas, elas não apenas os rejeitam - elas frequentemente dobram a aposta, fortalecendo suas crenças originais.

Isso é conhecido como "Backfire Effect" (efeito "tiro pela culatra"), primeiro identificado em 2010 em um estudo de Brendan Nyhan e Jason Reifler. Os pesquisadores descobriram que tentativas de corrigir crenças políticas falsas frequentemente levavam os participantes de suas pesquisas a cavarem ainda mais fundo nas crenças que já tinham anteriormente.

Isso tem a ver menos com fatos e está mais relacionado à forma que o cérebro processa e identifica ameaças.

Por que (e como) fatos disparam emoções

O Sistema de Ativação Reticular (RAS) do nosso cérebro funciona como um filtro, decidindo o que nós focamos e o que nós ignoramos. Quando fatos ameaçam a nossa identidade ou a nossa visão de mundo, a amígdala, o sistema emocional de alarme do nosso cérebro, pode perceber esses fatos como uma ameaça, da mesma forma que uma ameaça física, despertando uma reação do tipo "matar ou morrer", nos levando a brigar em defesa de nossos pontos.

Nesse estado, a razão fica em segundo plano, e o cérebro prioriza a defesa de seu senso de identidade. Neste ponto, argumentar usando dados e estatísticas frequentemente torna as coisas piores.

Quando fatos não funcionam

Quando um tópico é altamente politizado - como mudanças climáticas, direitos trans ou imigração - os fatos, sozinhos, frequentemente falham porque pessoas processam a informação através de suas crenças, não por fora delas. É por isso que argumentar com fatos e estatísticas nem sempre é efetivo: eles não acrescentam o lado emocional ou o apego à identidade relacionado às crenças.

Ao invés disso, essa argumentação baseada em dados pode soar como um ataque, fazendo a pessoa ainda mais resistente à mudança.

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Então, como as pessoas mudam suas mentes?

Para ultrapassar essas defesas, você precisa, primeiro, construir conexão e curiosidade. A abordagem mais efetiva, nesses casos, é o "Deep Canvassing" [que nós traduzimos, por aqui, como "troca aprofundada"].

1. Comece ouvindo:

faça perguntas abertas para entender à perspectiva das pessoas.

Antes de falar sobre política, por exemplo, experimente perguntas que revelem a visão de mundo e as experiências pessoais das pessoas: perguntar opiniões sobre eventos comuns, como mundo das celebridades ou programas de TV, sempre traz informações valiosas.

2. Compartilhe uma história pessoal:

ou convide as pessoas a imaginarem uma situação que humanize o problema.

Durante a pandemia, ficou muito claro que falar do sofrimento e das histórias de vida atravessadas e até interrompidas pelo Covid-19 era mais efetivo para convencer as pessoas a seguirem as normas de segurança do que apenas dizer, com estatísticas, que máscaras e isolamento social salvavam vidas. Mas nem só histórias tristes e dramas pessoais funcionam. Quantas histórias engraçadas na sua vida não te ensinaram sobre o mundo?

3. Gentilmente, introduza novas informações:

que desafiem às suposições das pessoas, de forma não-ameaçadora ou agressiva.

Você não vai convencer um apoiador de Bolsonaro de seu envolvimento nos planos golpistas de 2023 apenas chamando-o de "criminoso", "golpista" ou "corrupto". É mais eficiente perguntar: "você viu as mensagens que a polícia encontrou no WhatsApp dele, que o informam do andamento dos planos golpistas?” Assim, você demonstra que há evidências.

Este processo ajuda o cérebro a se sentir seguro, permitindo o Sistema de Ativação Reticular e a amígdala a se sentirem seguros e engajar o córtex pré-frontal, onde o raciocínio acontece.

Quando os fatos ajudam?

Fatos e estatísticas importam - mas o timing e a forma que eles são entregues são a chave. Eles são mais efetivos...

  • Quando alguém já está curioso ou aberto a ouvir.

  • Quando vinculados a uma história ou a um exemplo do mundo real com o qual as pessoas podem se relacionar emocionalmente.

  • Quando compartilhados de uma forma que respeita a dignidade das pessoas, e as convida a explorar novas ideias, ao invés de pressionar o outro a abandoná-las imediatamente.

Por que isso importa?

Esteja você falando sobre ações para mudanças climáticas, direitos LGBTQIAPN+ ou imigração, entender o "Backfire Effect" é crítico para travar conversas efetivas.

Ao invés de debater, foque na conexão.

Construa confiança, ouça e compartilhe histórias humanas. É assim que a mente começa a mudar - uma conversa de cada vez.

NOTAS FINAIS

Este texto faz parte da série "The Wild Life", de Devon Bowker (um ativista pela natureza e professor de biologia que compartilha seus pensamentos e ideias no perfil "Devonthenatureguy" no Instagram). Em nossa busca por estudos, ensaios, casos e hipóteses sobre como fazer a comunicação de causas e pautas políticas com responsabilidade e eficiência, encontramos este artigo que destrincha como funciona nossa relação com os dados, fatos e estatísticas dos mais diversos assuntos. E como, muitas vezes, as pessoas se recusam a encará-los ou aceitá-los. É possível dialogar sobre uma causa e sobre problemas reais do mundo, mesmo com quem os rejeita. Mas para isso, é necessária uma estratégia - que envolve muito mais emoção e muito menos razão do que a gente imagina.